sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O mercador de Veneza - William Shakespeare

Olá!

Estou em uma missão pessoal de ler as obras de William Shakespeare. A peça da vez foi a comédia "O mercador de Veneza", uma das obras mais polêmicas do autor, escrita por volta de 1596.


Nesta história, dois cenários se desenvolvem em paralelo. Em Veneza se desenrolam os conflitos entre o judeu Shylock e Antônio, o mercador de Veneza. Já em Belmonte conhecemos a bela Pórcia, uma dama à procura de um marido. Os dois cenários se entrelaçam, pois Lorde Bassânio, amigo de Antônio, precisa de dinheiro para ir até Belmonte e propor casamento à Pórcia, motivo pelo qual Antônio faz uma dívida com o ambicioso e impiedoso Shylock. 

É uma peça com vários personagens e situações. Um dos principais aspectos que essa obra aborda são as diferenças culturais entre judeus e cristãos. 

A parte que mais gostei foi a de Pórcia e os seus porta-jóias. Acontece que para casarem com Pórcia, os pretendentes precisavam escolher entre três porta-jóias (de ouro, prata ou chumbo),  e só que escolhesse o correto poderia casar-se com ela. Achei interessante acompanhar o raciocínio dos pretendentes para tentar adivinhar.

Portia and the Caskets

Alguns trechos que me marcaram:

✽ "...por tudo que posso ver, adoecem os que se empanturram tanto quanto os que definham por não ter o que comer." (p. 31)


✽ "O excesso logo ganha cabelos brancos, mas a frugalidade tem vida longa." (p. 31)


✽ "Não há maldade tão simplória que não ostente alguma marca de bondade em suas partes mais externas." (p. 79)


✽ "Graciano: — Que surpresa ele se demorar no horário, pois os apaixonados estão sempre correndo à frente do relógio.

Salarino: — Ah, dez vezes mais rápido voam as pombas que puxam a carruagem de Vênus quando é para selar contratos de amor recém-ajustados em vez de serem chamados, como de costume, a preservar um afeto já anteriormente empenhado!

Graciano: — Isto é sempre verdade: quem sai de um banquete com o mesmo apetite de quando chegou? Onde está o cavalo adestrado que retoma as próprias pegadas com o mesmo vigor que marcou o ritmo de sua monótona coreografia da primeira vez? Todas as coisas que são, elas o são com mais entusiasmos perseguidas que desfrutadas." (p. 59)


Referência: SHAKESPEARE, William. O mercador de Veneza. Tradução Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2017. 128p.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Uma nova maneira de pensar as classes de palavras

Conhecer as classes de palavras é fundamental para o estudo da Língua Portuguesa. Em geral, quando vamos estudar esse assunto, é comum encontrarmos nas explicações uma tradicional divisão das dez classes gramaticais em dois grandes grupos: 

Palavras variáveis: são aquelas que variam em gênero, número e grau (substantivos, adjetivos, verbos, artigos, pronomes e numerais).

Palavras invariáveis: são aquelas que não variam (advérbios, preposições, conjunções e interjeições).

Apesar de ser amplamente utilizada, essa maneira de agrupar as palavras não é muito eficiente e funcional para a introdução à morfossintaxe da nossa língua, pois, dificilmente, alguém irá lembrar dessa classificação ou mobilizar esse conhecimento de forma intuitiva. 

Pensando nisso, a professora Inez Sautchuk, em seu livro Prática de morfossintaxe (2018), sugere um outro modo de classificar as palavras da língua, o qual é baseado em duas grandes categorias iniciais: lexemas e gramemas.

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Lexemas e gramemas

Os LEXEMAS (ou morfemas lexicais) são as palavras que nomeiam os três elementos básicos do "mundo real":

Objetos: representados pelas substantivos;

Qualidades: representadas pelas adjetivos;

Ações: representadas pelos verbos.

Já todas as outras palavras são GRAMEMAS (ou morfemas gramaticas), isto é, palavras que servem para relacionar os lexemas, pois só existem no mundo gramatical.



Vejamos a explicação mais detalhada:

De acordo com Sautchuk (2018), 

"O LEXEMA é um tipo de palavra que contém informação básica de significado que representa o mundo extralinguístico ou remete a ele. Chamamos esse "mundo extralinguístico" de mundo biossocial/antropocultural, pois representa aquilo que se poderia definir como "o ser humano e a sua cultura na vida em sociedade'. Os lexemas constituem uma espécie de arquivo, de inventário aberto, já que, com a função de nomear essa realidade, podem apresentar um crescimento contínuo e teoricamente infinito de palavras em uma língua."

Quando lemos a palavra árvore, formamos na nossa mente uma imagem, o conceito representativo de árvore. O mesmo ocorre com outros  substantivos, como livro, girafa ou menina. Com os verbos e os adjetivos isso também acontece. Sabemos o conceito de chorar, em oposição a rir.. Assim como sabemos que feio representa algo oposto de bonito, e azul expressa algo diferente de pesado.

Por outro lado, isso não ocorre em relação ao GRAMEMAS, uma vez que esse conjunto de palavras remete exclusivamente a um mundo gramatical (ou linguístico) e é restrito à função de somente relacionar ou de estruturar o outro tipo de palavras. Ou seja, se lermos apenas a palavra essa, o, quando, por ou mais, não formaremos uma imagem representativa do mundo biossocial/antropocultural em nossa mente. Esse tipo de palavra constitui um inventário fechado, pois, em nossa língua, não se criam nem se modificam gramemas há muito tempo (SAUTCHUK, 2018).

Sendo assim, aí reside a importância de se dominar com segurança os processos de identificação dos substantivos, adjetivos e verbos, pois pertencem a um inventário aberto, que aumenta e se modifica com o passar do tempo, enquanto que as demais palavras, do inventário fechado, não se alteram facilmente e podem ser memorizadas.

Exemplos de classificação em lexemas e gramemas:

O

rato

cinzento

parecia

tão

sozinho.

gramema

lexema

lexema

lexema

gramema

lexema


A

menina

bonita

caiu,

porque

tropeçou

no

seu

vestido.

gramema

lexema

lexema

lexema

gramema

lexema

gramema

gramema

lexema

Exercício:

O

pobre

homem

não

tinha

um

centavo

para

gastar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu achei fantástica essa abordagem da autora, especialmente, por sua simplicidade, que a constitui como uma ótima maneira de (re)pensar as classes gramaticais e introduzir esse tópico da Língua Portuguesa.

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Referências:

SAUTCHUK, I. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. 3 ed. Barueri, SP: Manole, 2018. 

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Prof.ª ou Profª.? Afinal, qual a abreviatura correta de "professora"?

Essa dúvida me atormentou por muito tempo, porque já vi a abreviatura de professora ser escrita das duas formas, inclusive por professoras de Língua Portuguesa. Afinal, a abreviatura de professora deve ser escrita com o ponto antes ou depois da letra "a" sobrescrita (ª)?

Durante minha pesquisa para encontrar a resposta, percebi que essa questão das abreviaturas não é tão clara e consensual quanto eu gostaria. Finalmente, a referência para embasar uma resposta segura veio da Academia Brasileira de Letras:

A abreviatura de professora é Prof.ª ou prof.ª.
Exemplo: Prof.ª Mariane Bach.

Essa letra pequena que aparece no final das abreviaturas chama-se letra superior ou letra sobrescrita. Na ortografia da nossa língua, ela representa a última letra da palavra original e vem escrita depois do ponto abreviativo. 

Dr.ª = doutora
Ex.ª = excelência
Eng.º = engenheiro

Sendo assim, vale lembrar que a abreviatura de professor é prof. e não prof.º, pois a palavra professor termina com a letra "r" e não com a letra "o".

Em outros sites e em diferentes textos que circulam pela internet, encontrei abreviaturas diversas para as palavras "professora" e "doutora" as quais não utilizam a letra sobrescrita (ª), como em Profa. e Dra. No entanto, não é minha intenção abordar todas as possibilidades aqui, pois não encontrei respostas suficientemente esclarecedoras (de fontes 100% confiáveis) para dar uma "martelada final". O que eu quero deixar claro, por enquanto, é que quando a letra sobrescrita é utilizada, como em prof.ª, o ponto abreviativo deve vir antes dela. 

Além disso, é interessante destacar que eu acho esteticamente mais agradável manter apenas um padrão de escrita no seu texto. Assim, se você escrever na capa de um trabalho acadêmico a abreviatura de "professora doutora", opte por Prof.ª Dr.ª Maria da Silva ou Profa. Dra. Maria da Silva, em vez de Prof.ª Dra. Maria da Silva.


Bibliografia consultada:

1 https://www.academia.org.br/nossa-lingua/reducoes

2 https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/abreviaturas-de-titulos-academicos/29929

3 http://www.nilc.icmc.usp.br/nilc/minigramatica/mini/usodeabreviaturas.htm#:~:text=Substantivos%20masculinos%20terminados%20em%20consoante,%C2%AA%22%20(professora).

4 https://duvidas.dicio.com.br/abreviacao-de-professor-e-professora/#:~:text=As%20abreviaturas%20com%20o%20ponto,atuais%2C%20sendo%20as%20mais%20utilizadas.

O livro mais bonito do mundo: "O filho de mil homens" de Valter Hugo Mãe

Esse é o livro mais bonito do mundo. Certamente alguém dirá: "E você já leu quantos livros para afirmar isso, minha caríssima? Por acasou visitou Cervantes, Shakespeare, Saramago e a China toda?". E eu responderei: não é preciso ler mais do que um único livro para saber que é o livro mais bonito do mundo, pois não se trata de uma pesquisa ou análise, mas de um sentimento. Eu mesma, sendo devota de Calvino e García Márquez, já li alguns livros e a cada vez concluí, de forma única e indubitável, que se tratava do livro mais bonito do mundo.

Mas o que eu quero mesmo contar é que li "O filho de mil homens" e eu não queria que acabasse, queria que continuasse para sempre, mas não havia mais páginas para virar. E agora eu tenho que dizer para todas as pessoas do mundo que todas as pessoas do mundo precisam ler esse livro.

Nessa obra, Valter Hugo Mãe narra a história de personagens cujas vidas se entrelaçam pela solidão e pelo amor, na invenção de uma nova família, pouco convencional. A história inicia com Crisóstomo, um homem que chega aos 40 anos e se vê triste por não ter um filho. Sua vida começa a mudar quando ele adota Camilo, orfão de uma anã. A partir daí conhecemos as dores, os conflitos e os desejos de muitos personagens: Isaura, Matilde, Antonino, Rosinha, Gemúndio e outros.

Na simplicidade do cotidiano desses personagens mora a beleza da escrita de Mãe, em que cada frase é construida como se carregasse em si a poesia e o encanto para uma vida inteira.

O leitor e a leitora de literatura sabem que ler livros não se trata somente de conhecer uma história, pois, se assim fosse, os resumos nos bastariam. Ler é uma experiência que passa pelo cuidado com a linguagem, em que não importa apenas o que é dito, mas como é dito. Ler é um ato de suprema humanidade, já que apenas nós podemos fazê-lo. O ser humano mora na palavra. Então, penso que uma casa bonita se constrói com poesia.



MÃE, Valter Hugo. O filho de mil homens. 2. ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2016. 224 p.